Sunday, April 26, 2009

Oralidade e escrita, Saberes discordantes?

O presente artigo surge como continuidade do post anterior sobre Educação versus escolarização, mas desta feita pretendo levantar a questão de um outro jeito. Geralmente as pessoas quando são introduzidas ao contexto escolar levam consigo alguns saberes apreendidos mediante a sua socialização. Porém, quando chegam a escola são como que desarreigados dos seus conhecimentos e submetidos a uma nova ordem da qual o professor é o agente, uma vez que tudo por ele dito está correcto.

Algumas crianças aprendem a contar e a explicar coisas na sua língua materna, que pode não ser necessariamente a língua Portuguesa, mas chegadas a escola são terminantemente proibidas de expressar-se nas suas línguas maternas.

O ponto que pretendo levantar tem a ver com o facto de enaltecer-se os saberes da escrita em detrimento dos saberes orais. Sabe-se que África é um continente em que há grande predomínio da tradição oral, que tem estado a ser relegada para último plano. Como conferir muita primazia a escrita num País em que o grosso da população é não escolarizada? Não tenho algo contra a escolarização, porque até tive a oportunidade de passar por esse processo, mas acho que deve-se atribuir importância a uma grande fonte de saber, que é a oralidade. Concordo que por causa da globalização, que para mim é mais “englobalização” que tenhamos que abrir a porta para alguns processos, mas julgo que acima de tudo temos que saber fazer um casamento entre esses novos processos e os processos mais antigos.

Na minha opinião a oralidade e a escrita não devem ser dissociadas, mas vistas como duas faces do processo educativo.

16 comments:

Ximbitane said...

Oralidade e esrita devem sempre estar associadas, alias, os moçambicanos sao mais pela oralidade do que pela escrita.

Essa situaçao que narras de professor que proibe o uso de linguas moçambicanas é grave. As linguas moçambicanas sao uma realidade no ensino basico como forma de transpor os conhecimentos das linguas maternas para as linguas oficiais.

Lembro-me que, quando pequena, na pré, eram levados cartazes com imagens de meninas/os, homens/mulheres, etc, e na lingua copi nos era dito a que correspondia em portugues. Hoje, sei que o ensino bilingue esta em marcha visando os mesmos objectivos e tudo parte da oralidade...

Júlio Mutisse said...

Já vivi situações de absoluta proibição do uso de changana, vinda dos próprios pais. Engraçado é que, dessa forma, muitos deles estavam a proibir a criação de elos com seus próprios pais, alguns deles não falantes do português... logo assassinava-se uma parte desta simbiose que se deve criar entre a escolarização e a oralidade, com todo o universo de saberes nele contido.

Infelizmente, urbanizados ou não, não temos consciência da riqueza dos saberes que, oralmente, se transmitem de gerações em gerações. Quando ganharmos consciência desse valor, acredito, tenderemos a sua valorização e empowermento.

Elísio Macamo said...

cara nyikiwa, acho importante reflectir sobre este tipo de assuntos. está de parabéns por isso. noto, contudo, que parece associar a escrita à língua portuguesa e a oralidade às línguas maternas africanas. talvez fosse melhor dissociar. o desenvolvimento e preservaçao das nossas línguas vernáculas nao pode prescindir da escrita e as missoes cristas estao de parabéns neste aspecto pelo grande trabalho que fizeram no passado, sobretudo as protestantes. o problema da oralidade nao nos afecta apenas a nós tanto quanto sei. é um problema muito mais geral do âmbito da teoria do conhecimento (epistemologia) que viu a retórica substituída pela lógica, o local e específico pelo universal e geral. existem fortes correntes filosóficas que procuram remar contra esta maré. o ensino bilingue no país vai ter que tomar isso em consideraçao. cumprimentos

Anonymous said...

Caro Elisio Macamo,
O que pretendo ao prolematizar a questao da oralidade e da escrita nao e mostrar que esta ultima esta intrinsicamente ligada as linguas ocidentais, neste caso a Portuuesa como afirma, mas sim mostrar que oralidade e escrita devem ser recorrentes e da mesma forma que a escrita esta presente nas linguas ocidentais tambem esta presente nas nossas linguas maternas, senao nao haveria biblias em shangana, onga ou zulu. Conforme diz a Ximbitane, que alias e pedagoga e ao me deixa mentir, escrita e oralidade devem acasalar-se no processo de producao de conhecimento. E importante que aproveite-se o saber das "bibliotecas ou enciclopedias vivas" e se traduza em escritos, senao todo o conhecimento que aprendemos nas nossas linguas vernaculares, perde-se!

Elísio Macamo said...

muito bem, força!

Anonymous said...

Nyikiwa,
Seguramente que meu comentario possa chegar com um ligeiro atraso, porem, ja passam boas semanas apos do lancamento deste desafio sobre Oralidade e escrita.
Queria apenas sustentar a sua opiniao baseando me numa situacao real de uma entrevista que uma das professoras de lingua portuguesa de uma das escolas do Distrito de Zavala concedeu a STV se a memoria nao me falha sobre a necessidade de aproveitar aquilo que o aluno tras como conhecimento e tentar moldar ou seja, conjugar tal conhecimento com o programatico.Disse ainda que muitos alunos entram na escola sabendo ler as palavras usando a sua lingua materna.
Eu, "Horacio Zunguza", entrei na escola primaria em 1980 e ja sabia ler algumas palavras da Lingua Tswa "Xitswa" gracas ao hinario de canticos religiosos da Igreja Metodista Unida. Obviamente q esse meu conhecimento se tivesse sido explorado se calhar nao teria as dificuldades que tive pra aprender a ler, (tive serias dificuldades pra ler porque qualquer texto que me aparecesse a primeira coisa que fazia era tentar ler em Xitswa), Tas a rir nem? foi isso mesmo.
Um abraco Nyikiwa.

Sempre
Horacio Zunguza

Júlio Mutisse said...
This comment has been removed by the author.
Júlio Mutisse said...

Horacio Zunguza,

ha fana, futsi swi komba ku hi tanga yinwe. Na minawo ndzi ngenile xikolwa hi 1980 na ndzi tiva ku lera ni ku tsala hixitxangana ndzi djondzique kerekeni ya Nazareno ya Betani, ka Mazucane Mandlakazi, na hi tirisa a Ntwanano yinga tinsimu hi ti tirisaka kerekeni ya hina. Na swona a kuni Bibele la xitxangana.

Nkama hinga ngena xikolweni va te hi va analfabeto hi ku a hinga tive xilungo ne ku tsala. A kuna lweyi a nga nyima a ti vutisa swaku hita ni utivi ni pimisu. Va hi fanisile ni pulango lo kala ntxumo kumbe saka linga ha faneliwa ku tatiwa hi utivi. Kambe a utivi a hili nalo, ni ku tsala futsi ni ku djondza a hi switiva. A ho tsandzeka ku maha leswo hi xiputuquesi yinga ha li lirimi lakuta hi handle tani hi leswi, makaya ka hina a hi ulaula hi xitxangana, ni lava vanga ha ulaula xiputuquesi a vaxi djondzanga Kaya, vaxi djondzile handle tani hi xikolweni.

Loko a xitxangana ni utivi leli hi lirhimi lelo hi li kumiki a swi yo vekiwa ndaweni leyi fanelaka swiva swi tirisiwa (a lirimi ni utivi hinga há li nalo) a hinga lhupekanga.

Yi mani tikweni a landzelelako a utivi hi li kumeke ka ti kanringana hiti tweke hi va kokwane? Mamani wa mina a nga ulauli xiputuquesi kambe ndzi ngue um uli analfabeta. Vo fana na yena VANYINGUE tikweni kambe vau lia va analfabeta hi ku a mpimu wa u tivi u tekiwa hi u ulauli la xilungo. Hi txipississa xileswo a utivi linga kona, li ndlulaka hi tinguva ni tinguva hi marito hi matwaka ka lava vanga wona a matxintxele ya tinguva to tlula ta hina.

Hi txipississa xi leswo a uti linga ni vanyingui vativaku a mimuri yo daha, a utivi laku lunguissa timaka tinyingi hiku kala vanga tivi xiputuquesi ni ku vanga tsali a vutivi lavona.

Loko hi ta sungula kutxuvuka mamani wa mina ni vanyingui va nguva ya yena ku fana ni xilhovo xa utivi hi tava ho davula mananga hikuma u tivi la lisima ku fana ni leli hi li kumaka ka mabuko. Kuni lweyi a kanakanako ku timhaka ta tetiwa ni minawu ya vekiwa e landziwa hambi ka lavaya vo kala vanga tive ku lera xiputuquesi, vaku a minawu ya Nfumo vo yi twa ka ma Radio tse...

Mi lava ku ndzi swi txintxa hi xi putuquesi? A ndzi xi tivi.

Mutisse

Júlio Mutisse said...

Horacio Zunguza, somos iguais, acho ate que temos a mesma idade. Eu também entrei para a escola em 1980 sabendo ler e escrever Changana aprendido na Igreja do Nazareno de Betani, Mazucane, Manjacaze, onde usávamos o Ntwanano que e o hinario usado na nossa igreja. Também tínhamos a bíblia em Changana.

Quando entramos para escola éramos tidos por analfabetos porque não sabíamos falar nem escrever em português. Não houve quem parasse e se perguntasse se vínhamos com algum conhecimento e formas de pensar. Fomos tidos que nem tábua rasa ou mesmo um saco vazio que tinha que ser enchido com conhecimento. Mas tínhamos conhecimento, e ate escrever sabíamos. Só não sabíamos fazer isso em português que era uma língua estranha imposta de fora já que, nas nossas casas, falávamos changana, e os que sabiam falar português não o aprenderam em casa, aprenderam no fora como e o caso da escola.

Se o Changana e o conhecimento que nessa língua aprendemos tivessem sido dado valor e usados (a língua e o conhecimento que tínhamos) não teríamos sofrido.

Quem neste pais anda atrás do conhecimento obtido nos Karinganas ouvidos dos nossos avos? Minha mãe não fala português mas não a reputo ignorante porque cheia de conhecimento. Como ela SÃO MUITOS no pais e são tidos por analfabetos já que a medida do conhecimento e tomado pela capacidade de falar português. Desprezamos dessa forma o conhecimento que existe, que passa de geração em geração nas palavras que ouvimos daqueles que já atravessaram mais gerações do que nos.

Desprezamos dessa forma o conhecimento de muita gente que conhece medicamentos alternativos que curam, conhecimentos de resolução de problemas apenas por não saberem falar português e não saberem catalogar o seu conhecimento.

Quando começarmos a olhar para a geração da minha mãe como poços de conhecimento estaremos a cortar o deserto em busca de um conhecimento valioso como o que obtemos pelos livros. Alguém duvida que os problemas são resolvidos e regras são impostas e seguidas mesmo entre aqueles que não falam português que as leis do Estado so ouvem falar pela rádio?

Querem tradução? Não sei

Mutisse

Anonymous said...

Caro Horacio Zunguza,

Muito obrigada pela sua visita! Saiba que sera sempre benvindo!
Cumprimentos,

Nyikiwa.

Anonymous said...

parabenizar em primeiro lugar pelo titulo,pensamentos de uma preta africana,sou mas um curioso para dizer que de facto o moz esta e mas para a oralidade do que para escrira como diz o ximbotane ,dizer que para uma criança ou joven aprender a lingua materna começa pela casa e passando pelo convivio de amizades ,na cidade sao poucos jovens que falam as suas linguas maternas iso quer dizer depende do meios que a gente cresce e brinca ,eu por exemplo nao falo nem um pouco de xangana porque o meio que cresci so falavamos portugues mas hoje eu sinto falta da minha lingua materna ,de facto existem muitos pais que nao deixam seus filhos falarem e iso e para dizer que o moz mta cada vez mas a perder a sua identidade,olhando para ,RSA e outros paises vizinho orgulham se de falar os seus dialectos mas nos os moz nao nos orgulhamos nada sem mas nao dice.

Anonymous said...

Obrigada caro anonimo pela sua visita! Seja sempre benvindo!

Chacate Joaquim said...

Huumm!... Ximbita! "... o ensino bilingue está em marcha"? onde? quantas escolas conheces que introduziu-se isso? desde quando Armindo Ngunga e outros falam das vantagens disso e prejuiso que incorremos na falta? enquanto os chineses, alemão, até sul africanos fazem quase tudo nas suas linguas.

Nyikiwa, para bens por mais uma contibuição a este nível de facto só vejo vantagens nisso.

Júlio Mutisse, undzi tsandzile-venceu me! hehehe. wona swako Lourenço do Rosário ali akuna khunluleko loko a vanhu (pessoas) vanga vulavuli leswi va swi lavaku hi li rimi leli vali kotaka! Portanto vamos libertar as linguas.

Professor E. Macamo, concordo consigo se o desenvolvimento for factor da nossa educação! mas se a o desenvolvimento é objectivo da educação dificilimente podemos dissociar. Ora, o contributo das missoões como já falamos nas ideias críticas, foi por água abaixo por causa do que Nguenha S. chamou do "estatuto axiológico da educação" isto é, mesmo em linguas nacionais é preciso questionar sobre que valores a transmitir? veja as pessoas hoje para se chamarem para uma acção de linchamentos, corrupção, prostituição, condução inlegal, contra bando, robo de retrovisores na via pública, troca de favores nos serviços públicos, imoralidade (filosófico) intransparencia e ausêcia de democracia usam linguas nacionais e estes actos se tornaram "valores"! Então como fazer o inverso e dar eco dos nossos bons feitos por mesma via? desenvolver o espírio crítico e intelectual usando linguas nacionais rumo ao desenvolvimento? abraços

Anonymous said...

Ola' Nykiwa,
queria te convidar a visitar o site da nossa revista, "Confluenze", da Universidade de Bolonha, Italia. O proximo numero sera' sobre Lingua e identidade, o Call for papers saira' nos proximos dias: se gostavas, poderias escrever um artigo ou uma recensao dum livro. Nao consegui escrever-te atraves da mail: é por isso que estou a usar este comentario, mas podes-me contactar a este mail: silca73@libero.it assim poderemos falar mais a vontade. Li que es pesquisadora: de é que que te ocupas exactamente?
O endereço da nossa revista é o seguinte:http://confluenze.cib.unibo.it/
Um abraço,
Silvia Cavalieri

Júlio Mutisse said...

Vizinha, parece me que nos vais voar a julgar pelo comentário anterior hehehehe. Aproveite e mostre ciência se faz favor

Anonymous said...

Cara Silvia,
A contactarei, sim. Obrigada pela visita.

Julio,

De onde tiraste essa de que vos vou deixar? E uma oportunidade para interagir com pessoas de outros contextos.